quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Terra para trabalho ou para negócio?

Por Murilo César*

Nesta última semana, veio a tona pelas redes sociais um conflito desigual, quase silencioso ao Brasil, que vem acontecendo no sul do Mato Grosso do Sul, entre a tribo Guarani-Kaiowá e pistoleiros/fazendeiros da região.
Foram publicizados diversos materiais, como imagens, charges, fotos, carta, textos, tudo pela internet, os telejornais e jornais pouco se importaram diante de uma das maiores violações de direitos humanos do mundo.

Atacado por ser inocente

Como não aprendemos no colégio, o processo violento imposto aos índios é histórico, desde a chegada dos portugueses ao "Brasil", os indígenas foram julgados como povos inferiores e não civilizados, o que "justificou" serem escravizados, catequizados e cruelmente dizimados. E com os Guarani-kaiowá não foi diferente, oprimidos pelo contínuo processo de colonização (construção do Forte de Iguatemi, a Marcha para o Oeste do governo Vargas, a chegada da Revolução Verde) eles foram sendo expulsos de seu tekoha, que significa, território sagrado em guarani, e tendo sua dinâmica e a cultura descaracterizadas.
Hoje ocupam somente 1% do que fora suas terras já. São 73 mil indígenas, a segunda maior população indígena brasileira, vivendo em péssimas condições de vida, acampad@s em beiras de estrada e rios, trabalhando nos canaviais, sendo cotidianamente ameaçad@s e violentad@s por pistoleiros, e esquecid@s pelo Estado.
As denúncias são inúmeras, mas de nada valem, o próprio poder público ao invés de assegurar os direitos dos indígenas contribuem com a violência em defesa às propriedades rurais.


"A quem vamos denunciar as violências praticadas contra nossas vidas? Para qual Justiça do Brasil? Se a própria Justiça Federal está gerando e alimentando violências contra nós." (trecho da carta dos Kaiowás, 2012).

 
           Segundo o IBGE, a área dos canaviais no Mato Grosso do Sul chegou a 495.821 hectares, e está baseado no monopólio de um punhado de empresas nacionais e estrangeiras. Essa expansão se da dentro de um modelo de produção extremamente danoso, o Agronegócio, que causa redução da biodiversidade, antes fonte de vida para as comunidades tradicionais, pela implantação de monoculturas, compactação do solo, devido ao tráfego de máquinas pesadas durante o plantio, tratos culturais e colheita além da contaminação das águas superficiais e subterrâneas e do solo, devido ao excesso de adubos químicos, corretivos minerais, herbicidas e outros agrotóxicos, ressaltando que o MS fica numa região que abriga o Pantanal e parte do Aquífero Guarani, cujo nome se refere aos verdadeiros trabalhadores dessa localidade, que foi considerado como a maior reserva subterrânea de água doce do mundo até 2010.
Sem terra, sem água e sem floresta, os Guarani Kaiowá sem alternativas de subsistência são explorados nos canaviais em exaustivas jornadas de trabalho, produzindo o tão propagandeado etanol, combustível "limpo" e ao mesmo tempo sujo de sangue, já que nos últimos oito anos 254 índi@s foram assassinad@s em Mato Grosso do Sul, esse número é maior que a soma de todos os outros assassinatos de indígenas no país no mesmo período, que chega a 202 assassinatos. E de 2003 a 2010, suicidaram-se 555 índios Kaiowás e Guaranis, na sua maioria jovens, motivados por situações de confinamento, falta de perspectiva, violência aguda e variada dessa realidade cruel.
A necessidade da demarcação dos territórios é antiga, e não só de tekoha Pyelito kue/Mbrakay mas de todo território indígena, e também quilombola, povo que também sofre na mão do agronegócio/Estado, um exemplo disso é o caso do Quilombo Rio dos Macacos, comunidade de Simões Filho aqui na Bahia, que sofreu violações graves de direitos humanos na "mira" da Marinha Brasileira em conflito por território, ainda não resolvido.
De 1988 pra cá retrocedemos e muito. Artigos importantes da Constituição foram negociados. As medidas como a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215, o acordo entre Brasil e EUA na produção de etanol, a flexibilização do Código Florestal e a abertura pra venda de terras aos estrangeiros, só acirram os conflitos e demonstram o caráter ruralista do nosso governo.


"O homem branco também vai desaparecer, talvez mais depressa do que as outras raças. Continua sujando a sua própria cama e há de morrer, uma noite, sufocado nos seus próprios dejetos." (trecho da carta do índio de Seattle, 1855)


Vivemos um momento singular de contradições no Brasil, ao mesmo tempo de uma grande crise ecológica no mundo, que se desenvolve junto as crises energética, alimentar, social e econômica, onde não há como negar que nosso modo de vida industrializado, automotivo, consumista e individualizado em muito contribuí para manutenção e o aprofundamento desses problemas, somos o país responsável pelo fornecimento de matéria-prima para grande parte do mundo, o que subordina nossa economia a se basear na produção de commodities para exportação. Que nada mais é do que a expropriação e destruição em larga escala dos nosso bens naturais, que produz os latifúndios de soja, cana e gado, despeja milhares de litros de agrotóxicos nas lavouras, a expansão da fronteira agrícola na amazônia, a reforma agrária andando para trás, a expulsão das comunidades tradicionais de seus territórios, o avanço da mineração e tudo pelo desenvolvimento. Mas que desenvolvimento é esse que contribui ao aumento da temperatura do planeta, ao surgimento de doenças, as mudanças climáticas, a escassez de água e de alimentos? E querem nos fazer acreditar que o progresso privatizado pode resolver a educação e a saúde precária, a fome e a desnutrição ou os altos índices de poluição. Para quem vale a pena não contabilizar os custos ambientais e sociais?


"Tudo quanto fere a terra, fere também os filhos da terra."


Temos que reconhecer a necessidade de um outro modelo para o campo brasileiro, em que a natureza não seja encarada como fonte inesgotável de riqueza, um modelo que respeite os ciclos da Terra, as dinâmicas e as reais necessidades dos povos, que se construa sobre nossa rica biodiversidade tropical e reconheça as regionalidades do nosso país continental. E se não me engano, são os chamad@s selvagens e atrasados que melhor construíram relações harmoniosas com o ambiente que viviam, não se dissociando do que chamamos de natureza.
Temos também consciência que é da fonte dos não-civilizados e marginalizados em que bebemos a água para a construção desse outro modelo, fonte essa que é dos indígenas, quilombolas e camponeses, e por isso nos colocamos ao lado dos mesmos, na luta pela sua soberania e por uma consciência social e ecológica. Essa nova agricultura já vem sendo construída, a chamamos de Agroecologia. Não temos fórmulas mágicas nem respostas pré-prontas, temos somente os desafios, e é sobre eles, que os corações e mentes com sede de mudança, devem se debruçar na construção de novas experiências.




*Murilo César é estudante do 3º semestre de Engenharia Agronômica na UFRB.

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